Mundo novo
Réstias de sol
penetravam por entre as árvores do pequeno pulmão, como chamávamos a pequena
floresta em que morávamos. Era nossa pátria agora. Tudo foi destruído, restando
só um deserto, o qual eu comparava com as caatingas do que fora o nosso
nordeste do antigo Brasil.
Depois da seca
dos rios, por falta de chuvas, destruição das florestas pela ganância dos
homens, o solo se tornou contaminado por nossa culpa, usando materiais não
degradáveis, poluentes de ambiente, pesticidas, causando queimadas, o planeta
se tornou um deserto. Não tínhamos água, alimentos, roupas.
Os escolhidos que
sobreviveram a esse final dos tempos, entre os quais me encontrava e a minha
irmã Gemale, saíram do local em que moravam em busca de um lugar para viver.
Não sabíamos o que encontraríamos, mas éramos dirigidas por uma intuição, penso
que uma fé inabalável fazia com que caminhássemos trôpegas e esfarrapadas
fugindo de tudo, onde a violência imperava em troca de algo, famílias se matando,
filhos contra pais, irmão contra irmão. Não sabemos qual foi o critério usado
por Deus, mas da nossa família só restou nós duas.
Na procura desse
mundo novo, atravessando esse deserto de destruição, eu, a mais forte, não sei,
sofri toda espécie de violência, para conseguir pingos de água e alimento para
continuarmos a jornada, porém, eu sabia que encontraria esse lugar e o ódio que
sentia vitimada por toda violência era meu alimento. Só queria dar forças a
Gemale, de saúde mais frágil, para chegar comigo. Sozinha não queria encontrar
esse mundo novo.
Conhecemos mais
pessoas vindas de outros lugares e esse pequeno grupo avistou a pequena
floresta com um córrego de águas límpidas. Finalmente o paraíso. Dividimos os
lugares,
eu e
Gemale tínhamos nosso pequeníssimo cantinho. Gemale começou uma pequena horta e
eu comecei a ler a Bíblia, único livro que consegui achar, pois todos foram
destruídos, para estudar sobre·outro prisma e tentar achar respostas; deixar algo escrito para
que outra geração pudesse saber o que passamos e não cometer os mesmos erros
que nós fizemos com nosso planeta.
Até que um dia
eles chegaram. Não sei de onde vieram, a violência começou, nossa paz foi
destruída. Homens, ou seriam animais, que nos roubavam e violentavam de todas
as formas. Eu tentava proteger Gemale, sempre conseguia esconde-la desses
estupros.
Eu tinha medo
sim, quando eles chegavam e nos levavam para seus castelos, que eram apenas
paredes de pedras, porque também por lá houve muitas lutas, mas o meu ódio por
eles era tanto que eu sobrevivia e de manhã ia buscar Gemale no nosso
esconderijo, pois esses demônios só chegavam com a noite. Um dia vieram mais
cedo e levaram minha Gemale. Eu sabia que ela não iria agüentar tanta
violência, não iria gritar, pois não falava.
Passei a noite
perto da nossa hortinha,lembrando de nossos pais e pedindo a eles que
protegessem Gemale, nossa menina que foi perdendo a voz conforme percebia que
reclamar e gritar não iria mudar o mundo.
Pela manhã fui
até a clareira esperando sua volta e a vi passando com seus cachos ruivos, suas
sardas e duas aureolas vermelhas nas bochechas. Os animais a seguravam pelas
axilas e não a deixaram comigo. Olhei para seus olhos, ela sorriu e me
acenou com a mão. Pensei: "graças a Deus está viva", e dentro das terríveis
circunstâncias, acho que sobreviveu à noite
infernal, apesar de sua fragilidade.
Quando vi os
monstros voltarem sozinhos, eu e outras mulheres da comunidade fomos a sua
procura e vi Gemale caída, sem vida, do outro lado, que fora no passado uma muralha.
Uma criança me disse que depois que os homens a deixaram, ela subiu no local
mais alto e se jogou, mas antes deixou um recado, pedindo desculpas por não ser
forte como eu e não ter suportado tanta violência. Seu aceno de mão foi um
adeus.
Gritei feita louca, minha vida perdeu o sentido, perdi minha irmã gêmea,
meu outro eu. Gritei novamente e senti alguém me chacoalhando.
Abri os olhos e
era Gemale, que deitada na outra cama do lindo quarto em nossa casa, se
assustou com meus gritos, acordou e ficou preocupada, achando que eu estava
tendo um pesadelo.
Ainda bem, foi um
pesadelo verídico ou premonição, mas quanto tempo nos resta antes de
destruirmos nosso planeta e a nós mesmos?!
Conto de autoria de Lucia Marina Rodrigues(Coletânea do Concurso Literário da UBE organizado por Neída Rocha -Porto Alegre -Brasil 2012
Ilustrações com fotografias por Lucia Marina Rodrigues
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