16 de setembro de 2012

Mundo Novo




Mundo novo

Réstias de sol penetravam por entre as árvores do pequeno pulmão, como chamávamos a pequena floresta em que morávamos. Era nossa pátria agora. Tudo foi destruído, restando só um deserto, o qual eu comparava com as caatingas do que fora o nosso nordeste do antigo Brasil.

Depois da seca dos rios, por falta de chuvas, destruição das florestas pela ganância dos homens, o solo se tornou contaminado por nossa culpa, usando materiais não degradáveis, poluentes de ambiente, pesticidas, causando queimadas, o planeta se tornou um deserto. Não tínhamos água, alimentos, roupas.

Os escolhidos que sobreviveram a esse final dos tempos, entre os quais me encontrava e a minha irmã Gemale, saíram do local em que moravam em busca de um lugar para viver. Não sabíamos o que encontraríamos, mas éramos dirigidas por uma intuição, penso que uma fé inabalável fazia com que caminhássemos trôpegas e esfarrapadas fugindo de tudo, onde a violência imperava em troca de algo, famílias se matando, filhos contra pais, irmão contra irmão. Não sabemos qual foi o critério usado por Deus, mas da nossa família só restou nós duas.

Na procura desse mundo novo, atravessando esse deserto de destruição, eu, a mais forte, não sei, sofri toda espécie de violência, para conseguir pingos de água e alimento para continuarmos a jornada, porém, eu sabia que encontraria esse lugar e o ódio que sentia vitimada por toda violência era meu alimento. Só queria dar forças a Gemale, de saúde mais frágil, para chegar comigo. Sozinha não queria encontrar esse mundo novo.

Conhecemos mais pessoas vindas de outros lugares e esse pequeno grupo avistou a pequena floresta com um córrego de águas límpidas. Finalmente o paraíso. Dividimos os lugares, eu e Gemale tínhamos nosso pequeníssimo cantinho. Gemale começou uma pequena horta e eu comecei a ler a Bíblia, único livro que consegui achar, pois todos foram destruídos, para estudar sobre·outro prisma e tentar achar respostas; deixar algo escrito para que outra geração pudesse saber o que passamos e não cometer os mesmos erros que nós fizemos com nosso planeta.

Até que um dia eles chegaram. Não sei de onde vieram, a violência começou, nossa paz foi destruída. Homens, ou seriam animais, que nos roubavam e violentavam de todas as formas. Eu tentava proteger Gemale, sempre conseguia esconde-la desses estupros.

Eu tinha medo sim, quando eles chegavam e nos levavam para seus castelos, que eram apenas paredes de pedras, porque também por lá houve muitas lutas, mas o meu ódio por eles era tanto que eu sobrevivia e de manhã ia buscar Gemale no nosso esconderijo, pois esses demônios só chegavam com a noite. Um dia vieram mais cedo e levaram minha Gemale. Eu sabia que ela não iria agüentar tanta violência, não iria gritar, pois não falava.

Passei a noite perto da nossa hortinha,lembrando de nossos pais e pedindo a eles que protegessem Gemale, nossa menina que foi perdendo a voz conforme percebia que reclamar e gritar não iria mudar o mundo.

Pela manhã fui até a clareira esperando sua volta e a vi passando com seus cachos ruivos, suas sardas e duas aureolas vermelhas nas bochechas. Os animais a seguravam pelas axilas e não a deixaram comigo. Olhei para seus olhos, ela sorriu e me acenou com a mão. Pensei: "graças a Deus está viva", e dentro das terríveis circunstâncias, acho que sobreviveu à noite infernal, apesar de sua fragilidade.

Quando vi os monstros voltarem sozinhos, eu e outras mulheres da comunidade fomos a sua procura e vi Gemale caída, sem vida, do outro lado, que fora no passado uma muralha.

Uma criança me disse que depois que os homens a deixaram, ela subiu no local mais alto e se jogou, mas antes deixou um recado, pedindo desculpas por não ser forte como eu e não ter suportado tanta violência. Seu aceno de mão foi um adeus.

Gritei feita louca, minha vida perdeu o sentido, perdi minha irmã gêmea, meu outro eu. Gritei novamente e senti alguém me chacoalhando.

Abri os olhos e era Gemale, que deitada na outra cama do lindo quarto em nossa casa, se assustou com meus gritos, acordou e ficou preocupada, achando que eu estava tendo um pesadelo.

Ainda bem, foi um pesadelo verídico ou premonição, mas quanto tempo nos resta antes de destruirmos nosso planeta e a nós mesmos?!


Conto de autoria de Lucia Marina Rodrigues(Coletânea do Concurso Literário da UBE  organizado por Neída Rocha -Porto Alegre -Brasil 2012






Ilustrações com fotografias por Lucia Marina Rodrigues
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