Fui!E daí?
Zélito, homem de boa índole, franzino, conhecido por
todos no bairro de classe média baixa era aposentado como funcionário público
do Estado. Para complementar a aposentadoria fazia “bicos”, de qualquer serviço,
enfim um faz de tudo um pouco.
Morava no condomínio, ou pombal como chamam os emergentes
que atualmente moram em casas enormes em regiões chamadas de residencial condomínio,
por isso esses conjuntos de quarto e sala passaram a se chamar de pombal.
Sua mulher era bem robusta, com o cabelo pintado de amarelo,
gema de ovo, carapinha, mas Zélito tinha adoração por sua esposa e fazia todo
serviço caseiro, inclusive encerar o já desgastado piso do apartamento. Devido
ao seu peso dona Deusa permanecia quase o tempo todo sentada no velho sofá da
minúscula sala e era manicure das amigas do condomínio,para ajudar no
orçamento.
Aparentemente o casal era um exemplo de amor, fidelidade,
cumplicidade.
O único defeito ,se é que podemos dizer,Dona Deusa não passava um
segundo sem o cigarro na boca,e isto Zélito não deixava faltar.Quando saía de
casa já trazia um pacote fechado para sua amada não se estressar ou abrir a
boca para reclamar . Suas amigas a invejavam por ter um maridão como ele.
Uma noite escura, com chuvas de março torrenciais, verdadeiro
dilúvio, Zelito chegou ensopado como um pinto. Tinha ido fazer um reparo num
apartamento de um bacana no bairro de Ipanema e seu carrinho de estimação ,um
Fiat 147,pintado de azul claro ,parou repentinamente na Linha Vermelha.Ele
mesmo debaixo daquela chuva tentou consertá-lo ,mas foi assaltado e roubaram as
peças ,e com pena de deixá-lo na chuva ,um senhor de idade como ele ,deu cinco
reais para pegar um frescão (ônibus).
Devido à hora adiantada ,Zélito foi caminhando até o Meyer
onde morava,distraindo com os pensamentos que ultimamente ruminavam em sua
cabeça e com uma imensa tristeza de ter perdido seu super carro, único fruto de
seu trabalho que conseguiu amealhar.
Chegou a casa, e?Esqueceu os cigarros!
Dona Deusa, egoísta, só perguntou dos cigarros e Zélito, molhado
como uma galinha que vai ser depenada desceu as escadas desabaladamente, para
procurar alguma birosca aberta e comprar o alimento sagrado de Deusa.
Tudo fechado. A chuva forte parou e apenas uma leve garoa
molhava seu rosto.
Quando viu um posto de gasolina com o bar aberto entrou, pediu
os cigarros e aproveitou para conferir seu bilhete de loteria. Estava
milionário.
O primeiro prêmio, depois de uma vida inteira jogando foi
premiado. Jogou o pacote de cigarro, o qual sempre odiou os malefícios e o
cheiro que impregnava a sua moradia e roupas e saiu andando a esmo, sem rota determinada,
e sem documentos.
Naquela noite dona Deusa esperou em vão e outras também.
Pediu ajuda ao seu vizinho diabético para ajudá-la a encontrar o marido, e
nada.
Foram ao necrotério, polícia, jornais e todos os órgãos públicos.
Ninguém sabia ou viu o Zélito.Era uma viúva de um homem vivo ou morto ,mas nem
a pensão poderia receber porque o corpo não foi encontrado.
Seu vizinho diabético começou a lhe fazer companhia e
depois de algum tempo se ajuntaram no mesmo conjugado, com a diferença que dona
Deusa é que tinha que cuidar dele, o que nunca fez por Zélito.
Algum tempo passou.
Em um domingo ensolarado, depois da macarronada com frango,
seu novo companheiro deitado no sofá que outrora fora seu,vê na televisão a
corrida de fórmula Um os torcedores no Principado de Mônaco e um dos
assistentes era Zélito. Ele chama por Deusa e ela chega devagar com suas banhas
balançando, já gritando, porque está puta da vida de tratar esse novo marido
como um rei, ela que sempre foi uma Deusa com Zélito.
Ah, como ele faz falta!Que
saudades!Quando o homem conta que viu seu ex no paraíso dos milionários, vivinho
e bem acompanhado, ela chora e não acredita.
Tem certeza que o “seu” Zélito, o único que a tratou bem
e nunca a deixou sem seus cigarros deve estar em alguma vala, morto por algum bandido,
por isso ninguém nunca o encontrou, e tudo por sua culpa que exigiu que ele
fosse buscar cigarros, esse seu vício maldito.
Dona Deusa desde que Zélito morreu, para ela, deixou o
vicío e nunca mais fumou, pois sentia se culpada.
Quanto a Zélito,quando se lembra da sua antiga vida ,só
pensa todo feliz, e sem remorso algum: fui! E daí?
Conto de autoria de Lucia Marina Rodrigues para o concurso "Machado de Assis" da CoesaoPoética 2012
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